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PROCESSO: | 00002294.989.20-7 |
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REPRESENTANTE: |
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REPRESENTADO(A): |
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ASSUNTO: | Representação contra o Edital da Concorrência Pública nº 001/2020, Processo SG nº 1.074.856/2019, promovida pela Unidade de Comunicação - Secretaria de Governo do Estado de São Paulo, objetivando a obtenção da prestação de serviços de planejamento, desenvolvimento e execução de soluções de inteligência em comunicação digital. |
EXERCÍCIO: | 2020 |
INSTRUÇÃO POR: | DF-04 |
PROCESSO(S) DEPENDENTES(S): | 00007571.989.20-1 |
PROCESSO: | 00007571.989.20-1 |
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REPRESENTANTE: |
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REPRESENTADO(A): |
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ASSUNTO: | Representação visando ao Exame Prévio do edital da Concorrência Pública nº 001/2020, objetivando a contratação dos serviços de planejamento, desenvolvimento e execução de soluções de inteligência em comunicação digital. |
EXERCÍCIO: | 2020 |
INSTRUÇÃO POR: | DF-04 |
PROCESSO PRINCIPAL: | 2294.989.20-7 |
RELATÓRIO
A Unidade de Comunicação da Secretaria de Governo do Estado de São Paulo instaurou o processo de Concorrência nº 01/2020, certame destinado à contratação de serviços de planejamento, desenvolvimento e execução de soluções de inteligência em comunicação digital, sob o regime de empreitada por preços unitários.
O correspondente instrumento convocatório, entretanto, foi objeto de representação protocolada neste E. Tribunal por Sergio Olímpio Gomes, eminente Senador da República, indicando aspectos controvertidos que, nessa medida, comprometeriam princípios constitucionais respeitantes à legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.
Notícias veiculadas em sítios na Internet foram apontadas como reflexo direto do efeito negativo das expressões “detratores” e “apoiadores”, associadas no texto convocatório às atividades de acompanhamento e classificação de usuários das redes sociais, por indicar modelo de monitoramento com características de “perseguição a adversários políticos” e desvio de finalidade pública.
Nesse contexto, pediu o acolhimento desses fundamentos, pleiteando a preliminar sustação do processo licitatório, tendo em vista a análise do mérito em sede de Exame Prévio de Edital.
Motivado por argumentos que também suscitavam hipótese de improbidade administrativa, o eminente Senador requereu, ainda, providências desta E. Corte para instauração de Ação Civil Pública, visando à correspondente responsabilização pessoal.
Atento ao cronograma do certame, considerei oportuno converter a cognição preliminar da representação em diligência, assinando prazo à Secretaria de Governo para que comparecesse com informações e esclarecimentos de seu interesse.
No ensejo, afastei eventuais abordagens sobre a pleiteada Ação Civil Pública por suposto ato ímprobo, consignando, desde logo, faltar-nos competência, seja de assento Constitucional seja de ordem infraconstitucional, assim como ao douto Ministério Público de Contas, para providências desse jaez.
Nesse ínterim, sobreveio representação formulada pelo douto Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, à qual, por conexão, conferi processamento idêntico.
O órgão Ministerial, iniciando com aspectos que revelavam preocupações assemelhadas àquelas que informaram o precedente, compreendeu que o objeto da licitação arrolaria atividades que atentariam contra a livre manifestação do pensamento, constitucionalmente garantida (art. 5º, inciso IV).
Nesse sentido, destacou, dentre as obrigações da futura contratada, a previsão de coleta e armazenamento de informações a respeito de pessoas físicas e entes específicos, compreendidos como influenciadores de relevo, em “fichas individualizadas”, que serviriam à emissão de juízo de valor mediante a classificação: “apoiadores” ou “detratores” das ações governamentais.
A configuração do objeto igualmente não lhe pareceu adequada diante da aglutinação de serviços ora associados à área da comunicação, ora ligados ao ramo da tecnologia da informação, os quais lhe pareceram heterogêneos.
Destacou, a propósito, que o Edital da Concorrência inviabiliza a subcontratação do objeto e a participação de empresas reunidas em consórcio.
Da mesma forma, a possibilidade de participação de cooperativas, conforme disciplinado no item 3.2.3 do Edital, lhe pareceu subjacente ao comando do art. 5º da Lei 12.690/12, que veda esse tipo de contratação quando da natureza dos serviços emergir intermediação de mão de obra subordinada.
Expedidas as intimações, compareceu a Secretaria com esclarecimentos.
De plano, informou ter providenciado a retificação do texto convocatório, ainda que no curso da liminar, publicando novo aviso no qual as remissões: “Sala de Situação”, “monitoramento”, “detratores” e “apoiadores” foram suprimidas, assim como revisto o conteúdo do instrumento na parte em que dispunha sobre atividades de identificação e catalogação personalizada de usuários em “fichas individualizadas”.
Com isso, a data da sessão de recebimento e abertura dos envelopes, a princípio designada para o dia 16/3/2020, foi remarcada para 30/3/2020.
Não se furtou a esclarecer as demais insurgências.
Sobre o modelo de monitoramento de comunicação pública através das redes sociais, destacou situações limítrofes em que determinados temas relacionados a ações administrativas poderiam repercutir como elemento de indução a perspectivas artificialmente construídas, embutindo considerável risco à estabilidade da gestão governamental.
Destacou, com isso, que o uso de ferramenta de gerenciamento alinhada às atuais tecnologias, parâmetros e perspectivas da comunicação digital seria de grande auxílio para a formação de interface com as novas demandas de interesse público, com máxima pretensão de universalidade na orientação e divulgação de programas e projetos governamentais.
A propósito da modelagem da licitação, defendeu que o texto convocatório teria seguido primordialmente os termos de minuta padrão que vem sendo utilizada desde 2018 no Estado de São Paulo, obedecidos os preceitos legais e de regulação incidentes que, inclusive, também seria empregada na esfera federal.
Seguindo aos temas da admissibilidade de cooperativas no certame, remeteu a análise às especificações do Termo de Referência, informando que todo o dimensionamento do objeto teria como substrato a assunção de diretrizes, metas e prazos, sem a presença dos pressupostos de habitualidade e subordinação na prestação dos serviços, o que tornaria esvaziada a preocupação do douto Ministério Público de Contas.
Disse também da dificuldade de contratar as atividades de forma segregada, notadamente em face da eficiência e sintonia na consecução dos objetivos almejados.
Conferi aos processos instrução conjunta por ATJ e SDG, dando vista para parecer da douta PFE e do douto MPC.
Assessoria Técnica, sob o ângulo Jurídico, manifestou-se pela procedência da questão pertinente à utilização de expressões sugestivas de violação à liberdade de expressão, de reconhecida controvérsia e já afastadas na versão republicada pela Secretaria.
De outro lado, considerou que eventual potencial restritivo decorrente do agrupamento dos serviços descritos no Termo de Referência poderia ser amainado com a aceitação de consórcios.
Chefia de ATJ acrescentou opinião no sentido de se determinar a segregação do objeto, de acordo com os diferentes segmentos de mercado, ou a admissão de consórcios e/ou subcontratação de serviços.
Sobre a participação de cooperativas no certame, embora pontuando posicionamento pessoal em desfavor, considerou improcedente a impugnação, tendo em vista que as diretrizes gerais fixadas no instrumento para a execução dos serviços não induziriam, necessariamente, à subordinação preconizada pelo artigo 5º da Lei 12.690/12.
Agregou questionamentos anteriormente não suscitados pelos representantes, relacionados aos critérios para atribuição de notas técnicas, tanto por vislumbrar elevada carga de subjetividade no escalonamento dos quesitos, quanto por identificar fixação de pontuação mínima para a classificação da proposta técnica que, na sua perspectiva, não guardaria compatibilidade com o julgamento por técnica e preço.
Encerrou com proposta de arquivamento da representação apresentada pelo eminente Senador Major Olímpio, tendo em vista a publicação de nova versão do instrumento escoimada das passagens criticadas, bem como de procedência parcial da impugnação formulada pelo d. MPC.
Douta PFE, mesmo diante da prévia retificação do ato convocatório, exarou parecer pela improcedência total das representações.
Seguiu-se o parecer do d. Ministério Público de Contas no sentido do não conhecimento da representação tratada no processo TC-2294.989.29-7, tendo em vista a ausência de competência normativa para instauração da ação de improbidade administrativa pleiteada, assim como a perda de objeto em relação às críticas dirigidas aos itens 6.1.1 e 6.1.2 do Edital, decorrente da supressão de tais disposições do texto original e consequente restituição do prazo para apresentação de propostas.
Pugnou, de outro lado, pela procedência daquela abrigada no TC-7571.989.20-1, sem prejuízo do reconhecimento da perda do objeto das queixas atribuídas aos itens revistos pela Administração.
Nada obstante, ponderou que o modelo de contratação de sistemas informacionais baseado em algoritmos de plataforma de relacionamento social, informatizados e substitutivo de funções humanas, demanda atenção deste E. Tribunal, sugerindo análise in concreto da matéria em rito ordinário, com o acompanhamento da execução do contrato a ser firmado.
Nessa seara, aludiu à grandeza e sensibilidade que o tema ostenta, de modo que não se poderia reduzir a abordagem a meros equívocos interpretativos, porquanto a utilização de instrumento controvertido de indução de condutas, com objetivos opacos, poderia, no limite, afetar tanto os cidadãos, no âmbito de sua individualidade, como a própria Administração Pública, com a erosão de seu papel garantidor da democracia.
Não deixou passar à margem o atual momento político vivido, no qual se aproximam eleições municipais e, com isso, o risco de abuso no manejo e catalogação de dados de usuários das redes sociais, pontuando que:
[...] independente da exclusão dos termos “problemáticos” do edital, o uso das informações obtidas acerca de pessoas físicas deverá se sujeitar às disposições da Lei nº 13.709/18 (LGPD), que restringe o seu uso à execução de políticas pública e à persecução do interesse público, hipóteses que, uma vez desrespeitadas, devem ensejar a penalização dos envolvidos nos termos dos artigos 42 e 52 da referida lei.
Além disso, deve ser fortemente controlado o uso e a destinação dos dados coletados para que se evite seu manejo para fins eleitorais, em rota de afronta aos ditames constitucionais, à Lei 13.488/2017 e em risco de abuso do poder político.
Da mesma forma, entende-se que o acesso às informações coletadas, relatórios produzidos e seu consequente uso, seja em prol de políticas públicas ou outras finalidades, contenham elas ou não dados sensíveis de pessoas físicas, deverá ser garantido a essa c. Corte e a quem se interessar, em respeito aos artigos 7º, I e II, 10, caput, e 21, todos da Lei nº 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação).
Em defesa da segregação dos serviços de comunicação digital e de tecnologia da informática, fez a eminente Procuradora oficiante as seguintes observações:
Tal solução (i) possibilitaria o tratamento de cada atividade de acordo com a sua complexidade, permitindo a manutenção do critério de julgamento “técnica e preço” apenas para os serviços de comunicação e o beneficiamento da contratação dos serviços de TI (acerca dos quais nada se exige na proposta técnica pelo menor preço; (ii) garantiria o melhor uso dos recursos públicos; (iii) garantiria o atendimento dos comandos inseridos nos artigos 3º, caput, e 23, §1º, da Lei nº 8.666/93 e (iv) ampliaria a competitividade e o acesso de empresas menores no certame.
Propôs, caso não acolhido esse entendimento, seja determinada a inclusão de disposições que autorizem tanto a participação de consórcios como a subcontratação parcial do objeto.
Também considerou recomendável que a Secretaria licitante reveja o texto convocatório para determinar que os sistemas algoritmos sejam definidos a partir de arquitetura de códigos abertos, como forma de permitir a fiscalização e rastreabilidade plena.
Muito embora tenha exposto razões em desfavor da participação de cooperativas no certame, na medida em que o Edital não permitiria identificar com clareza as nuances da relação que será estabelecida entre as partes (se com hierarquia e subordinação ou não), assim como a possibilidade de que falsas cooperativas possam driblar o valor essencial do direito laboral, considerou que, diante da peculiaridade, o tema poderia ser remetido à análise ordinária, por ocasião da formalização do futuro contrato.
Além disso, encampou as considerações da Chefia de ATJ acerca da inadequação do modelo de avaliação e julgamento das propostas técnicas.
SDG propôs reflexão um tanto distinta.
Para o Senhor Secretário-Diretor Geral, mesmo após as alterações promovidas, o Anexo I revelaria disposições que, por sua generalidade, abririam margem à atuação distorcida das diretrizes da Lei Federal nº 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, bem como da Lei Federal nº 13.709/18 - Lei Geral de Proteção de Dados, o que validaria determinação desta E. Corte no sentido de que a Administração, desde já, promova retificações concernentes ao tratamento dos dados pessoais sensíveis.
Sobre a aglutinação dos serviços, perfilhou-se ao entendimento da Chefia de ATJ, compreendendo igualmente pertinente a segregação por segmentos de mercado ou a admissão de consórcios e/ou de subcontratação, para a garantia da ampla competitividade no certame.
Identificou no instrumento disposições[1] que não se compatibilizariam com a natureza das cooperativas, as quais, nos termos do art. 3°, inciso IV, da Lei Federal n° 12.690/12, regem-se pelos princípios e valores de autonomia e independência, de modo que caberia a pleiteada retificação.
Propôs, com isso, o indeferimento e subsequente arquivamento da Representação tratada no TC-2294.989.20-7, bem como a procedência de parte das impugnações consignadas no TC-7571.989.20-1.
Sugeriu, no mais, fosse a Unidade de Comunicação instada a conhecer os questionamentos agregados na instrução da Chefia de ATJ.
Observando que o cronograma do certame indicava tempo hábil, acolhi a proposta e determinei notificação a propósito das novas questões.
Retornando aos autos, a Administração informou ter reconsiderado a previsão de pontuação mínima para efeito de desclassificação das propostas técnicas, suprimindo tais disposições em caráter oficial.
Sobre a gradação dos quesitos para atribuição das notas técnicas, asseverou que o modelo de aferição, embora sujeito a certo grau de subjetivismo próprio da natureza da criação intelectual, teria sido definido a partir de ponderações técnicas que refletem as melhores práticas de mercado, afastando-se o máximo possível de subjetividade no julgamento.
Asseverou, ademais, que a avaliação será conduzida não por uma única pessoa, mas por uma comissão, conciliando variadas perspectivas sobre a mesma realidade desse campo de trabalho.
Em novo pronunciamento, a Chefia de ATJ considerou que a inconformidade relativa à prefixação de nota mínima para desclassificação da proposta técnica foi perfeitamente suprimida com a nova alteração do Edital.
No mais, considerando que nossa jurisprudência aponta negócios anteriores firmados com base em modelo semelhante de gradação de quesitos técnicos, os quais propiciaram concretamente amostra ampla de disputa e foram aprovados pela Corte, reviu seu posicionamento, agora para compreender que debate da espécie insere-se com maior propriedade em esfera de controle distinta, a partir da instrução ordinária da licitação e do correspondente contrato.
Por fim, aproveitando a oportunidade e igualmente revendo opinião lançada no parecer prévio, pugnou pela procedência da questão concernente à participação de cooperativas no certame.
Sobre esse novo aspecto de análise, a douta PFE opinou pela improcedência.
O douto Ministério Público de Contas ressaltou não subsistirem os questionamentos acerca da atribuição de pontuação mínima para desclassificação das propostas técnicas, diante da supressão das aludidas cláusulas editalícias.
Sobre os critérios de pontuação, sopesou que o momento seria oportuno para retificações, visando a conferir maior objetividade no julgamento.
Por último falou SDG, que não vislumbrou, sobre os aspectos agregados na instrução da Chefia de ATJ, premência de retificações no Edital.
É o relatório.
DECISÃO
Recebendo nesta ocasião os pedidos como Exame Prévio de Edital e fundado no disposto no Ato GP nº 05/2020, conheço do mérito, na forma do parágrafo único, do art. 223 do Regimento Interno deste Tribunal.
A matéria, que gravita sobre formatação de modelo específico de serviço em que o Poder Público pretende, por meio de plataforma digital e do acompanhamento das interações coletivas, relacionar-se de forma direta com o conjunto da sociedade, afigura-se complexa por excelência, característica que, confesso, contribuiu para que vislumbrasse nas assertivas iniciais indícios de risco ao interesse público, cujo respaldo constitucional foi reclamado perante esta E. Corte.
Reconheço, não podemos estar alheios às mudanças na órbita da comunicação nos últimos tempos, em muito promovidas pela perspectiva da globalização nas suas mais variadas dimensões, ao mesmo tempo em que se delineiam mudanças na órbita jurídica interna dos Estados, em especial a constitucional.
A referência é de rigor, posto que se relaciona com aspectos de direitos fundamentais, na medida em que, a despeito de se pretender realçar a importância da utilização de ferramentas de governança pública, pode-se projetar reflexos de intolerância, controle ou manipulação das formas de livre pensar ou manifestar.
Até porque, como bem demonstram as citações doutrinárias agregadas no parecer do douto Ministério Público de Contas, os sistemas algoritmos que avançam na regulação de práticas e comportamentos são performativos, podendo afetar o ambiente em que serão utilizados.
Nesse contexto, a presente licitação, que se impõe para a isonômica seleção de empresa privada, revela objeto sensível e de proporções que sugerem ao Poder Público a adoção de modelos de ação administrativa igualmente amplos e complexos, acabando por assim associar o aporte de vultosos recursos financeiros públicos.
Tal condição transfere ao juízo de controle um padrão de análise igualmente mais elaborado e abrangente, definido, acredito, na dificuldade de se apreciar atos administrativos cuja eficácia e metodologias executivas se confrontarão com polos de grande relevância para a democracia e a livre expressão do pensamento.
Mas o enfoque aqui é outro.
Esta fase de análise é circunscrita à perspectiva primeira da preservação de direitos e manutenção do interesse público em sede licitatória, não se prestando a tutela, portanto, a debate que demande tal nível de aprofundamento.
Sendo esse, em linhas gerais, o panorama que se apresenta, cabe aproveitar a proposta consignada no parecer da ilustre representante do d. Ministério Público de Contas, no sentido de aqui inserir determinação de acompanhamento da matéria em análise ordinária, seguindo, inclusive e sobretudo, às fases de execução contratual, encaminhamento que me parece absolutamente impositivo diante da magnitude do tema.
Contudo, aproveitando a oportunidade, já a título de recomendação para aprimoramento do instrumento, considero oportuno destacar as observações sugeridas pelo d. MPC, na companhia da SDG, para que a Administração se debruce sobre aspectos do instrumento relacionados: à arquitetura dos sistemas algoritmos que serão contratados, visando a permitir a fiscalização e rastreabilidade plena; e à observância às diretrizes da Lei Federal nº 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, bem como da Lei Federal nº 13.709/18 - Lei Geral de Proteção de Dados, o que, de certo modo, excepciona tal conclusão.
Vencida a premissa e circunscrito aos temas que se apresentam genuinamente compatíveis com o rito do Exame Prévio de Edital, assim como por óbvio restrito às matérias de jurisdição deste E. Tribunal, providência já consignada por ocasião da cognição inicial dos pedidos, passo, então, às questões relacionadas ao conteúdo dos atos que compõem o processo administrativo da Concorrência Pública nº 001/2020.
Reconhecidamente controvertidas determinadas partes daquele instrumento, antes que eventual ordem de retificação desta Corte se tornasse eficaz, decidiu a Secretaria pela alteração, fazendo-o, portando, a partir de retificação pontual do Edital.
Ao abandonar as expressões: “Sala de Situação”, “monitoramento”, “detratores” e “apoiadores”, bem como as atividades de identificação e catalogação personalizada de usuários em “fichas individualizadas”, compreendo que a Administração redesenha o objeto com bases em princípios mais substantivos de análise, despersonificados e em princípio coerentes com a utilidade pública que inspira a contratação almejada.
Da mesma forma, ao suprimir a fixação de pontuação mínima para desclassificação de propostas, optando, portanto, pelo julgamento baseado na combinação de critérios de técnica e preço por excelência, segue tendência concorde com o melhor conceito construído por nossa jurisprudência.
Considerando, a propósito, que o processo licitatório não teve seu curso efetivamente interrompido por determinação deste E. Tribunal, não se constata qualquer violação de direitos ou conduta abusiva da representada a partir de tais iniciativas.
De outra parte, a nova redação proposta para o objeto da licitação torna insubsistente o cerne do pedido contido no TC-2294.989.20-7, suprimindo o interesse processual concretamente envolvido, porquanto a cronologia que ora se confirma implica perda do objeto daquela demanda, o que remete necessariamente à sua extinção sem apreciação de mérito, como concluíram todos os órgãos instrutórios, PFE e MPC.
Pelas mesmas razões, torna-se insubsistente parte do pedido subscrito pelo douto Ministério Público de Contas, objeto do TC-7571.989.20-1, em particular naquilo que se identifica com a primeira representação, como também parte das preocupações acrescidas no parecer da ilustre Chefia de ATJ.
Mas, o órgão Ministerial ainda demonstrou objeção no que se refere à eventual aglutinação de serviços teoricamente autônomos, como é o caso de atividades de comunicação digital e outras específicas do ramo da tecnologia da informação.
É bem verdade que a avaliação pecuniária por unidade de bem ou serviço, não raro, proporciona vantagens comparativas e ganho de escala ao Poder Público.
Em outras situações, entretanto, a escala ou as variáveis próprias do perfil de execução dos serviços recomenda justamente o contrário.
Em que pese o fundamento técnico que deve sempre orientar a decisão, inegável que o resultado prático acaba por também influenciar a tomada de decisão do Administrador.
No presente caso, a Secretaria revelou a experiência obtida no certame que selecionou empresa para execução do ajuste anterior, oportunidade em que se constatou atividades que podem ser licitadas separadamente, tais como a cobertura de foto, vídeo e áudio, as quais, nessa linha, deixaram de compor o núcleo licitado.
Vale reconhecer, portanto, a preocupação da Administração com o gerenciamento do futuro contrato, negócio que será conduzido por meio de soluções de inteligência em comunicação digital e formatado pelas diretrizes operacionais adjetas ao processo de construção de soluções particulares para o atendimento das funcionalidades preestabelecidas no instrumento (Anexo I).
Não me parece emergir, com a necessária evidência, ao menos neste primeiro momento, que tais atividades não se relacionem efetivamente com o núcleo negocial das empresas que se dedicam ao planejamento, desenvolvimento e execução de soluções de comunicação digital; até porque tais parcelas não se apresentam suficientemente individualizadas no termo de referência (Projeto Básico – Anexo I).
Nesse sentido, referencio as considerações da Assessoria Técnica especializada:
Ainda que possível, em tese, a segregação das atividades mencionadas pelo Ministério Público de Contas, razoáveis as justificativas fornecidas pela Administração para a licitação dos serviços de comunicação em objeto único, opção que pretende obter maior eficiência e sintonia na consecução dos objetivos almejados.
Razoável supor, de fato, que o planejamento eficaz das estratégias e a adequada execução das futuras ações de comunicação dependerão, em boa medida, da maior ou menor integração entre os diversos pilares que compõe o projeto, a envolver desde os responsáveis pela pesquisa de dados, pela definição de estratégias de abordagem e das soluções de comunicação, como também os responsáveis por disponibilizar e manejar infraestrutura tecnológica suficiente e compatível, de modo a assegurar a satisfatória divulgação das campanhas, respostas ágeis e repercussão permanente, maciça e eficaz junto ao público alvo.
Tanto melhor, ao menos sob minha perspectiva, que tais atividades estejam sob a responsabilidade de uma única empresa.
Creio, portanto, que a segregação, ao menos aprioristicamente, não se apresenta determinante.
Concordo, entretanto, que os serviços pretendidos de fato apresentam certas características que particularizam a correspondente execução e que não se abstraem de pronto do objeto genericamente lançado.
E, diante desse detalhe, seria absolutamente consentâneo com o princípio da ampla competição, que consórcios sejam admitidos, como também revista a possibilidade de subcontratações, cumulativa ou alternativamente, dentro da discricionariedade da Administração.
Fica, nesse sentido, a determinação.
O pedido d. Ministério Público de Contas também revelou que o Edital olvidou-se de afastar expressamente as cooperativas de trabalho, tema sobre o qual nossa jurisprudência há tempos tem se debruçado, tendo até aqui construído o entendimento de que, ressalvadas situações especiais de fomento ao trabalho fornecido sob o regime de cooperativas, a princípio há impossibilidade de participação dessas pessoas jurídicas quando do objeto emergir a execução de atividade continuada, com relação de subordinação e dependência em face da Administração.
Não se pode olvidar que, sendo sujeitos de direitos e obrigações que receberam expresso tratamento constitucional, não devem as sociedades cooperativas ser indisciminadamente e desmotivadamente alijadas de processos licitatórios, tendo em vista o princípio da isonomia que deve existir entre os concorrentes, o que se reforça nos dizeres do art. 10, § 2º, da Lei Federal nº 12.690/122], assim como no comando do art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei de Licitações[3], com a redação da Lei Federal nº 12.349/10.
Isso evidentemente se, constituídas em conformidade com a lei e atendidos seus objetivos sociais, observarem, tal qual os demais licitantes, todos os requisitos do edital e regras da Lei Federal nº 8.666/93.
De outro lado, e esta a sempre presente preocupação desta Corte, não se pode ignorar a multiplicação de “cooperativas de fachada”, fraudulentas, que se prestam a atuar única e simplesmente como intermediadoras de mão de obra, em flagrante violação a direitos trabalhistas.
Não é por acaso que o art. 5º da Lei nº 12.690/2012 expressamente estabelece que as cooperativas de trabalho não podem ser utilizadas para mão de obra subordinada, evidenciando-se do § 2º, do art. 17[4], a presunção legal do conceito de “intermediação de mão de obra”.
Sendo essa a realidade, também se nota a existência de decretos, a exemplo do Decreto Paulista nº 55.938/2010, alterado pelo de nº 57.159/2011, que veda a participação de cooperativas nas licitações quando a execução do objeto “envolva a prestação de trabalho não eventual por pessoas físicas, com relação de subordinação ou dependência, em face da contratante” e especifica alguns serviços que não podem ser executados por cooperativas. É o caso, por exemplo, dos serviços de limpeza, lavanderia, segurança, recepção, telefonia e transporte sob regime de fretamento contínuo.
Vai daí que a contratação dessas pessoas requer cuidadosa análise casuísta, hipótese que enseja, desde logo, o dever de o administrador agir com a devida prudência e cautela, como condição para a efetivação dos princípios da razoabilidade e da economicidade, evitando contratações que, nesses termos, resultem em possíveis condenações judiciais.
Assim, vale aqui inquirir se as descrições que integram o objeto, incluindo os anexos do instrumento, remetem à execução com a presença de subordinação, pessoalidade e habitualidade, fato que traduziria flagrante ausência de autonomia dos cooperados na execução das atividades necessárias para cumprimento do quanto pactuado, restando, consequentemente, afastada a possibilidade de sua atuação por sociedade cooperativa.
No caso dos autos, não vejo claramente hipótese em que se acentue tal rotineira relação de subordinação.
Parece-me própria da natureza dos serviços a entrega de resultados contínuos, assim entendida a construção de soluções digitais, que darão origem a estratégias de atuação para propagação de conteúdos por parte da empresa contratada, sem sobressaltar clara relação subordinativa dos profissionais responsáveis pelo cumprimento das cláusulas contratuais em relação à contratante, como imposição de horário, habitualidade, fiscalização e controle de serviços.
Centrada a análise neste contexto de direito e assumindo como presentes os necessários requisitos normativos, tendo a compreender que no presente caso a determinação de vedação à participação dessas pessoas jurídicas não se justifica, implicando, de outro lado, matéria de relevância para os trabalhos da futura execução contratual, decisão que não desafina do parecer da insigne representante do d. MPC.
Por fim, sobre o viés de subjetividade dos quesitos técnicos questionado no parecer da Chefia de ATJ, considerando que nossa jurisprudência aponta negócios anteriores firmados com base em modelo semelhante de gradação, os quais propiciaram concretamente amostra ampla de disputa e foram aprovados pela Corte, a instrução foi convergente em não vislumbrar a incidência de potenciais desarmonias que pudessem afetar negativamente o resultado a ser obtido ao cabo da licitação, o que torna insubsistente a preocupação.
Pelos fundamentos assim expostos, acolhendo as conclusões da ATJ, d. PFE, d. MPC e SDG, DECLARO extinta, por perda de objeto, a representação formulada por Sergio Olímpio Gomes, eminente Senador da República, contida no TC-2294.989.20-7, sem resolução de mérito, determinando o arquivamento do processo; de outro lado, JULGO parcialmente procedente a representação formulada pelo douto Ministério Público de Contas, tratada no TC-7571.989.20-1, determinando à Administração da Unidade de Comunicação da Secretaria de Governo do Estado de São de Paulo que, se mantida a agregação dos serviços no objeto, exclua a cláusula que veda a participação de consórcios e/ou inclua hipótese autorizando respectiva subcontratação.
Adicionalmente, consigno recomendação para que a Administração efetive revisão nos aspectos do instrumento relacionados: à arquitetura dos sistemas algoritmos que serão contratados, visando a possibilitar sua fiscalização e rastreabilidade plena; e à observância às diretrizes da Lei Federal nº 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, bem como da Lei Federal nº 13.709/18 - Lei Geral de Proteção de Dados. Tudo isso com a finalidade de atender às preocupações levantadas ao longo da Instrução que, ainda que não determinantes de correção, devem ser ponderadas pela Administração do Estado.
Intimem-se os interessados, em especial a mencionada Secretaria, ressaltando que a nova versão do instrumento convocatório haverá de incorporar as retificações aqui determinadas, inclusive com a reabertura dos prazos, na forma da lei.
A matéria será submetida à ratificação do E. Plenário, na forma regimental.
Publique-se.
Ao Cartório.
Após, à Equipe de Fiscalização para as anotações pertinentes, devendo a futura contratação ser marcada para acompanhamento de execução.
GC., em 24 de março de 2010.
RENATO MARTINS COSTA
Conselheiro
MRL
[1] Anexo I – Projeto Básico - item 5.2: “a Contratada deverá alocar a quantidade de prepostos necessária para garantir a melhor intermediação com a Contratante”, sendo que “os perfis definidos para essa atividade deverão atuar em caráter permanente durante a execução deste contrato, com dedicação exclusiva, e ficarão alocados nas dependências da Contratante”.
Anexo III – Orientação para Elaboração da Proposta Técnica - item 2.4: dispõe que um dos quesitos a ser avaliado na proposta técnica será a “Qualificação da Equipe Técnica - A licitante deverá apresentar currículo resumido (no mínimo, nome, formação e experiência) dos profissionais que atuam como responsáveis técnicos da empresa, discriminados por áreas de atividade”.
[2] Art. 10. A Cooperativa de Trabalho poderá adotar por objeto social qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que previsto no seu Estatuto Social.
§ 2º A Cooperativa de Trabalho não poderá ser impedida de participar de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo os mesmos serviços, operações e atividades previstas em seu objeto social.
[3] Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1o É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;
[4] Art. 17. Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito de sua competência, a fiscalização do cumprimento do disposto nesta Lei.
§ 2º Presumir-se-á intermediação de mão de obra subordinada a relação contratual estabelecida entre a empresa contratante e as Cooperativas de Trabalho que não cumprirem o disposto no § 6º do art. 7º desta Lei.