Artigo: O difícil exercício financeiro de 2016
O complicado contexto de recessão antecipa uma perspectiva negativa para este ano de 2016, em especial no setor público, muito sensível aos influxos da grave crise política e econômica que vivenciamos.
Em abril de 2015, quando Prefeitos, Governadores e a Presidente deviam mandar o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para análise dos respectivos Poderes Legislativos (conforme art. 35, § 2º, inc. II do ADCT), previa-se o seguinte cenário para a economia nacional em 2016: crescimento do PIB de 1%, crescimento da produção industrial em 1,5% e inflação de 5,6%.
Atualmente, prevê-se que em 2016 o PIB cairá 3,54%, a produção industrial retrairá 4,45% e a inflação atingirá 7,46% (dados do Relatório de Mercado FOCUS, do Banco Central, de 11.03.2016).
O que isto quer dizer (além do fato de que a situação está muito pior do que qualquer um previa)? Quer dizer que a arrecadação que os Chefes dos Poderes Executivos estimavam não se concretizará.
E aí começam os problemas.
A regra mais básica da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – Lei Complementar 101/2000) é o equilíbrio das contas públicas.
Se o ente não arrecada quanto ele estimava que iria arrecadar, o gestor não pode gastar quanto ele previa que ia gastar. A lei positiva uma consabida norma da sabedoria popular: “não gaste mais do que você ganha”.
Para solucionar esta questão, de realização de receita abaixo das metas esperadas, a lei prevê o mecanismo conhecido como contingenciamento (art. 9º da LRF).
Determina a LRF que, a cada bimestre, o gestor deve verificar se a receita atingiu os valores estabelecidos no Anexo de Metas Fiscais de sua LDO. Caso frustrada a arrecadação, o gestor deve promover atos determinando a limitação de empenho e movimentação financeira.
Em São Paulo, o Tribunal de Contas do Estado faz esta verificação por um sistema de auditoria eletrônica. Se o município não atinge a meta, é automaticamente emitido um alerta ao Prefeito. Estes alertas, emitidos com base no art. 59, § 1º da LRF, são ainda encaminhados à Câmara de Vereadores, responsável pela fiscalização dos gastos do Executivo, e ficam também disponíveis para consulta de qualquer cidadão no Portal da Transparência Municipal (http://transparencia.tce.sp.gov.br). Aliás, a emissão destes alertas afasta qualquer alegação de desconhecimento da situação fiscal (o famoso “eu não sabia”) e bastam para caracterizar o dolo, para fins de configuração da prática de ato de improbidade administrativa, com a consequente declaração de inelegibilidade (TSE, Recurso Especial Eleitoral 8502).
Além disso, se o administrador público não determinar o contingenciamento de gastos, comete infração administração contra as leis de finanças públicas (inc. III do art. 5º da Lei Federal 10.028/2000), conduta punível pelo Tribunal de Contas com multa de 30% dos vencimentos anuais do gestor.
A própria LDO deve prever critérios e forma de limitação de empenho (art. 4º, inc. I, alínea b da LRF). Em geral, as leis de diretrizes preveem quais as despesas que não serão objeto de limitação de empenho, estipulando assim, a contrario sensu, aquelas que poderão ser contingenciadas. Na LDO da União de 2016, por exemplo, foram previstas como despesas não contingenciáveis desde o pagamento de pessoal, do serviço da dívida, do programa de alimentação escolar até o pagamento de medicamentos aos portadores de HIV e a concessão de bolsa aos dependentes de militares falecidos no Haiti (anexo III da Lei Federal 13.242/2015).
Cabe então ao administrador público, dentro de tais balizas legais, e de acordo com seu prudente juízo, com a assessoria de sua equipe de finanças e conforme seu plano de governo (vale dizer, as promessas que fez a seus eleitores), decidir onde irá deixar de gastar.
Como num orçamento doméstico, as despesas supérfluas são as primeiras a serem cortadas. Mas o que é supérfluo na Administração Pública?
De toda forma, o corte de despesas não envolve decisões fáceis.
Isto porque a forte contração da economia traz consigo o aumento da demanda pelos serviços prestados pela Administração Pública, o que pressiona o aumento dos gastos públicos.
O trabalhador que perdeu o emprego e o plano de saúde da empresa passará a buscar o hospital público, demandando ainda mais do já debilitado Sistema Único de Saúde. O pai desempregado não conseguirá mais honrar a pensão dos filhos, e a mãe buscará a Defensoria Pública para cobrá-lo, em mais um processo de justiça gratuita. A família que perdeu sua renda pode, por fim, tomar a decisão de tirar seus filhos da escola privada, passando-os para a escola pública, pressionando mais recursos públicos com merenda, transporte escolar etc.
Eis a grande dificuldade do gestor público: a freada na economia, de um lado, faz cair sua arrecadação como, por outro lado, o comprime a aumentar seus serviços.
Em ano de crise é que se consegue saber quem é realmente capacitado para administrar o dinheiro público, fazendo mais com menos.