Publicação em
13/10/2022

Dentre as competências impostas pela Constituição Federal aos Tribunais de Contas está a apreciação, para fins de registro, da legalidade das concessões de aposentadorias, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.

Em atendimento ao preconizado, a equipe de Fiscalização do TCE-SP fixada na Unidade Regional de Campinas promoveu a devida instrução acerca de atos concessórios de aposentadoria promovidos pelo Fundo Especial de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Jaguariúna, referentes ao exercício de 2020.

A auditoria constatou que, por meio da Portaria Municipal nº 1090, de 3 de setembro de 2020, foi concedida aposentadoria voluntária, pela regra de transição, com proventos integrais, ao servidor Geraldo José Salvador Pereira, com fundamento e cálculo do benefício em conformidade com dispositivos das Emendas Constitucionais nº 47/05 e nº 41/03.

Ressalta-se que a EC nº 47/05 estabeleceu regras de transição aplicáveis somente aos servidores que ingressaram no serviço público até 16 de dezembro de 1998, os quais deveriam igualmente atender a requisitos como ingresso no serviço público e tempo de efetivo exercício no serviço público. Além disso, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, a cobertura previdenciária dos regimes próprios de previdência social restringiu-se  a servidores titulares de cargos efetivos.

No caso do servidor jaguariunense, ele ingressou no serviço municipal como celetista em março de 1985, e somente passou a estatutário em junho de 2012, com a criação de uma lei complementar municipal que instituiu o regime jurídico único estatutário dos servidores públicos daquele Município.

Diante do cenário, os auditores da UR-Campinas observaram que “os cálculos do benefício de aposentadoria deveriam ter sido efetuados sobre a média das contribuições (art. 40, §1º, inc. III, da Constituição Federal) e não pela integralidade e paridade”.

Ao examinar preliminarmente a matéria antes de seguir para julgamento da Corte de Contas paulista, o Procurador do MPC-SP Dr. Rafael Neubern Demarchi Costa considerou necessário, ainda que de maneira preambular à sua manifestação de mérito, pontuar alguns esclarecimentos acerca do vínculo jurídico celetista e estatutário, da migração do primeiro para o segundo e da regra de aposentadoria aplicável a cada caso,

Aqui, alguns trechos extraídos da ‘introdução teórica’:

“[...] desde 16/12/1998, nenhum empregado público, amparado pela CLT, independentemente de prestar serviço à empresa pública, sociedade de economia mista ou mesmo à administração direta do ente, teria expectativa de se aposentar de acordo com as normas estabelecidas art. 40 da Constituição Federal.

[...] estão excluídos da aplicação da regra do art. 3º, os empregados públicos, ainda que seus empregos tenham sido convertidos em cargos depois da EC 20/1998.

[...] as definições dos arts. 3º da EC 47/2005 e 6º da EC 41/2003 permitem a opção pelas suas regras apenas ao servidor que estivesse na titularidade de cargo efetivo, respectivamente, quando da publicação das ECs 20/1998 e 41/2003, desde que seja mantido o vínculo em cargo(s) efetivo(s) ininterruptamente até a data da concessão do benefício. [...] Mais que isso, é pressuposto lógico que o servidor também já fosse vinculado a algum regime próprio de previdência social.

[...] essência de uma regra de transição é proteger a confiança subjetiva depositada pelo interessado na vigência da norma anterior mais benéfica com fundamento na expectativa de concretização futura de um direito. [...] No entanto, a previsão que protege a expectativa de direito somente tem sentido se o servidor estivesse amparado em regime próprio quando da mudança.”

.Na apresentação de defesa prévia, o Fundo de Previdência de Jaguariúna alegou que não há distinção entre servidores públicos e empregados públicos nas regras transitórias de aposentadoria fixadas no artigo 3º da EC 47/2005.

Dr. Neubern refutou o argumento trazido e destacou que “as condições estabelecidas no art. 6º da Emenda Constitucional 41/2003 e no art. 3º da Emenda Constitucional 47/2005 dizem respeito às regras de transição, ou seja, aplicáveis somente aos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que já estavam filiados em algum Regime Próprio de Previdência Social até as datas fixadas”.

Lembrou ainda que, desde a edição da EC nº 20/98, os empregados públicos (vinculados ao RGPS) não possuem qualquer expectativa de se aposentar em conformidade com as normas estabelecidas no artigo 40 da CF/88.

Outra questão abordada nos autos residiu na contribuição previdenciária recolhida pelo Senhor Geraldo José ao longo dos anos. “O servidor contribuiu para o RGPS durante a maior parte de sua vida laboral, em valores consideravelmente menores do que aqueles a serem contribuídos, caso estivesse filiado ao RPPS, o que viola o caráter contributivo da previdência social e a regra constitucional do custeio”, apontou o relatório da equipe de Fiscalização.

Para o titular da 1ª Procuradoria de Contas, o servidor se aproveitou da situação, pois contribuiu menos que um estatutário, porém seus proventos foram calculados como se fosse um.

A constatação fere não só o caráter contributivo da previdência social e o equilíbrio financeiro e atuarial, como também o próprio princípio da impessoalidade, afinal, por qual razão este servidor teve que contribuir menos para ter o mesmo benefício de aposentadoria que os demais servidores estatutários? Ou por que contribuiu igual aos demais empregados públicos, mas irá receber uma aposentadoria maior que eles?” — questionou Dr. Neubern.

Por fim, vale ressaltar que o déficit atuarial do município de Jaguariúna era de R$ 79.008,99, em 2019, e passou surpreendentemente para R$ 109.192.435,82, em 2020.

Em suma, o que se observa é que as concessões de benefícios integrais, além de serem inconstitucionais, já causam impacto negativo no equilíbrio atuarial do RPPS, e, levando em conta a inércia do Executivo local em adotar medidas visando o equacionamento do déficit atuarial, é certo que, cedo ou tarde, todos os munícipes de Jaguariúna serão penalizados diante do constante aumento do percentual da receita municipal que será destinado aos pagamentos dos benefícios previdenciários”, concluiu o Procurador opinando pela ilegalidade e negativa de registro do ato de concessão de aposentadoria do servidor Geraldo José Salvador Pereira.

Acesse AQUI o parecer ministerial.