Procuradoria de Contas questiona contratação de consultoria privada para elaboração do orçamento municipal
O Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, por meio da Procuradora de Contas Dra. Élida Graziane Pinto, emitiu parecer sobre a contratação, por inexigibilidade de licitação, da empresa CONAM – Consultoria em Administração Municipal Ltda. pela Prefeitura de Itapevi. O contrato tem como objetivo a prestação de serviços de orientação preventiva e consultiva nas áreas de planejamento, contabilidade e análise financeira, incluindo a elaboração de orçamento, diretrizes orçamentárias e de Plano Plurianual (PPA) do município.
A Procuradora pondera que a matéria ainda não está em condições de apreciação final, uma vez que subsistem dúvidas relevantes que deverão ser sanadas junto à Prefeitura. Em seu parecer, ela faz uma análise profunda sobre o papel do orçamento público e o risco de se terceirizar uma função que, segundo a Constituição Federal, é essencialmente política e fundamental ao sistema democrático.
“O processo orçamentário não é apenas o produto do uso de um conjunto de técnicas. Ele é um espaço para que a sociedade discuta o que deseja, onde a política, no sentido mais nobre, define as direções e a burocracia competente, com sua técnica, as torna realidade”, afirmou a titular da 2ª Procuradoria de Contas.
Para a Procuradora, a contratação de uma consultoria privada para elaborar as peças orçamentárias “carrega o perigo de desnaturalizar a essência do orçamento público”, substituindo a escolha social por uma “escolha privada, disfarçada sob o verniz da competência técnica”.
Conforme determina o artigo 165 da Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), cabe ao Poder Executivo municipal formular e executar as peças orçamentárias – PPA, LDO e LOA. A Procuradora enfatiza que o Município deve possuir capacidade técnica para desempenhar essa função: “Se o Executivo não a tem, a tarefa é buscá-la e não substituí-la por caminhos duvidosos. A ausência de corpo técnico qualificado compromete a autonomia administrativa e pode configurar indício de desvirtuamento dos princípios republicanos.”
Embora o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo admita, em caráter excepcional, a contratação de empresas especializadas para auxiliar na elaboração de leis orçamentárias, o MPC-SP ressalta que essa hipótese se aplica apenas a municípios de pequeno porte, com reduzido número de servidores e limitações estruturais.
“Tal prática não pode ser utilizada de forma indiscriminada ou como solução permanente para deficiências administrativas, sob pena de configurar terceirização indevida de atividade essencial ao processo democrático”, escreveu a Procuradora.
Além disso, o Órgão ministerial identificou que a CONAM tem sido contratada por diversos municípios paulistas para consultoria ou assessoria em assuntos orçamentários, sem que os resultados tenham refletido melhorias na gestão administrativa. “Diversos municípios que contrataram essa empresa apresentaram impactos negativos ou piora direta no Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEG-M), sobretudo no indicador de Planejamento”, registrou o parecer.
Em Itapevi, o quadro é igualmente preocupante: o município mantém nota ‘C’ no IEG-M há cinco anos, sendo a mesma nota mínima no i-Plan (Planejamento) desde a criação do indicador, em 2015.
Sabe-se que o próximo Plano Plurianual 2026–2029 será elaborado ainda em 2025, o que torna urgente o debate sobre as escolhas da Prefeitura. “É imperativo que o município assegure que suas decisões estejam alinhadas às boas práticas de gestão fiscal e planejamento. Sem um diagnóstico detalhado das necessidades locais, não há como alocar recursos de forma eficiente nem garantir a formulação de políticas públicas eficazes”, observou a Procuradora.
Dessa forma, o problema vai além da contratação pontual: ele reflete uma dependência crescente de consultorias externas e a perda da capacidade institucional da administração pública de pensar e planejar o próprio território. “Os gestores municipais tornam-se dependentes de consultorias que promovem modelos pasteurizados de planejamento, sem o devido diagnóstico das necessidades locais. Com isso, reproduzem erros históricos, a exemplo do elevado índice de abertura de créditos adicionais suplementares”, pontuou.
A representante ministerial alerta para que sejam questionados os sistemas informatizados com modelos orçamentários padronizados vendidos por consultorias contábeis e jurídicas. “Modelos genéricos de PPA, LDO e LOA são como cirurgias feitas em abstrato, porquanto sem suficiente informação prévia individualizada do paciente. A sociedade não pode permitir que haja, em seu nome, tal horizonte de ‘consentimento em branco’, sem prévio diagnóstico circunstanciado”, comparou.
Nessa linha, a população de Itapevi necessita de melhores informações para que possa exercer o seu direito de consentir com as propostas orçamentárias que ordenarão as prioridades governamentais. “Sem isso, o que aguarda os cidadãos locais é ainda mais mal-estar nas políticas públicas diante de tratamentos pasteurizados vendidos como genéricos sistemas informatizados de gestão, sem lastro na realidade municipal”, constou do parecer.
Em meio à análise, Dra. Graziane ainda propôs um roteiro de controle da ordenação legítima de prioridades no ciclo orçamentário municipal, composto por três eixos principais: diagnóstico, ordenação legítima de prioridades e aderência do ciclo orçamentário ao planejamento. Esse roteiro inclui etapas como o levantamento ativo da população a ser atendida, a consideração de passivos judicializados e recomendações anteriores do controle social, a identificação das despesas obrigatórias não contingenciáveis e a correlação com programas de duração continuada. Além disso, suscita o controle da inibição da receita e motivação do custo de oportunidade das despesas que frustram o cumprimento das prioridades constitucionais e legais.
Diante das inconsistências identificadas, o MPC-SP igualmente solicita que a Prefeitura esclareça uma série de pontos, entre eles:
as razões que levaram à contratação de consultoria privada em vez da articulação do próprio corpo técnico;
a comprovação da suposta incapacidade técnica que justificaria a terceirização;
os critérios que embasaram a escolha da empresa e as medidas para evitar os mesmos problemas ocorridos em outros municípios;
a descrição detalhada dos serviços contratados e produtos entregues;
os mecanismos de monitoramento para avaliar a eficácia dos resultados; e
as estratégias da administração para capacitar seus servidores e reduzir a dependência de assessorias externas.
A Procuradora conclui reforçando que “o público precisa ser feito em público, até porque diagnóstico de problemas e prognóstico de possíveis soluções na Administração Pública pressupõe inafastavelmente participação popular”.
Nesses termos, o Ministério Público de Contas, com base no artigo 2º, inciso XIII, da Lei Complementar Estadual nº 709/1993, requereu a notificação dos responsáveis para que se manifestem sobre os questionamentos apresentados, antes de nova manifestação do Órgão ministerial na qualidade de custos legis.
Acesse AQUI o parecer.



