Publicação em
24/02/2023

Uma pesquisa divulgada em abril de 2021 pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo revelou uma defasagem no ensino dos alunos do 5º e 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio durante o período da pandemia de Covid-19.

O Secretário da Educação à época, Senhor Rossieli Soares, afirmou que os atrasos de aprendizado causados pela crise sanitária poderiam demorar até 11 anos para serem revertidos.

Porém, mesmo antes do advento devastador da pandemia de Covid-19 chegar ao país, o setor da educação no Estado de São Paulo, há anos, vinha apresentando deficiências importantes e que foram agravadas após 2020.

Ao realizar detido exame das contas anuais consolidadas da Secretaria de Estado da Educação, referentes ao exercício de 2013, assim como individualmente das 111 Unidades Gestoras Executaras (UGEs) que compõem a estrutura, a Procuradora de Contas Dra. Élida Graziane Pinto, titular da 2ª Procuradoria do Ministério Público de Contas de São Paulo, fez uma ampla detecção das falhas mais graves da política pública estadual de educação, apresentando uma verdadeira radiografia da frágil condição desse setor na última década.

Para a Procuradora, “não basta circunscrever a análise e fiscalização do Balanço Anual das Contas de 2013 da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo a aspectos meramente formais ou pontuais de suas atribuições. Necessário se faz, avaliar se a SEE-SP vem cumprido - de forma eficaz, eficiente e efetiva - a sua missão de, por meio da educação, propiciar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, nos exatos termos do art. 205 da Constituição Federal”.

Dentre as irregularidades verificadas nas contas de 2013 da Pasta estadual pode -se destacar o desvio de recursos do piso estadual em MDE para cobertura de insuficiência financeira da SPPREV; a superlotação das salas de aula; o elevado índice de contratações temporárias de pessoal no setor; infraestrutura precária e sem manutenção; problemas na gestão da alimentação escolar; falta de acessibilidade nas escolas públicas; alta porcentagem de evasão escolar e analfabetismo.

Ao longo do decurso processual, a representante do MPC-SP sustentou uma série de questionamentos acerca das falhas elencadas.

O apontamento inicial “a causar espanto” abordou o desvio bilionário de recursos do piso estadual em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) para a cobertura de insuficiência financeira da São Paulo Previdência (SPPREV). Verificou-se que, somente em 2013, a cifra chegou a R$ 3,327 bilhões, e no período de 2010 a 2017, cerca de R$ 31 bilhões do piso foram utilizados para cobrir o déficit previdenciário.

A Procuradora observou ser “inadmissível computar como manutenção e desenvolvimento do ensino a cobertura de déficit financeiro de regime próprio de previdência, porque tal despesa não revela qualquer atividade-meio ou atividade finalística de manter e aperfeiçoar o ensino público no Estado”.

Também ressaltou que o valor de mais de R$ 3,3 bilhões transferidos da Educação para a SPPREV em 2013, seria suficiente para manter cerca de 800 mil alunos do Estado de São Paulo em sala de aula, já que o custo mínimo por aluno em jornada integral era de R$ 4.103 ,52 naquele ano.

Em sua manifestação nos autos destacou ainda que “em vez de inconstitucionalmente cobrir rombos previdenciários, o expressivo volume de recursos transferidos à SPPREV tivesse sido corretamente destinado a projetos e ações educacionais, conforme determina a Constituição da República, certamente a nota da rede pública estadual para o ensino médio no IDEB de 2013 seria muito superior aos pífios 3,7 registrados e o ensino não estaria na situação caótica e vergonhosa em que se encontra, [...]. Tampouco ainda haveria mais de 200 mil jovens de 15 a 17 anos fora da escola, em evidente e assombrosa afronta ao art. 208, I e parágrafo 2° da CR/88”.

Sobre o tema, a Secretaria argumentou que o cômputo, no limite constitucional com MDE, das despesas com contribuição patronal ao RPPS de servidores inativos estava embasado nos artigos 26 e 27 da LCE nº 1.010/07. Ressalta-se que a própria Procuradoria-Geral da República vê inconstitucionalidade de ordem formal e material na Lei Complementar em questão.

Dra. Graziane questionou quais medidas a SEE-SP pretendia tomar para deixar de computar como despesas do MDE os gastos com inativos e pensionistas. A Pasta respondeu que um Grupo de Trabalho específico formado para analisar a questão estaria aguardando a emissão de Nota Técnica Conjunta das Secretarias da Fazenda e do Planejamento com as consequências e resultados sobre a determinação de se atingir 30% do montante de impostos em gastos em MDE, excluindo a insuficiência financeira.

Ainda que a argumentação da SEE-SP revele que foi criado Grupo de Trabalho [...] para analisar possíveis alternativas ao descompasso no financiamento da manutenção e desenvolvimento do ensino, os valores empenhados até o presente momento (05/10/18) - que alcançam o assustador montante de R$ 3.713.793.665,69 - apontam inevitavelmente para rota diversa, a indicar descaso do gestor com o adequado custeio do ensino paulista”, considerou a Procuradora.

No tocante à superlotação das salas de aula na rede de ensino estadual, o parecer ministerial revelou que, a despeito do limite máximo de alunos por classe ter sido praticamente alcançado ainda em 2013, a Pasta autorizou, por meio da Resolução nº 2, de 8 de janeiro de 2016, a elevação do limite de lotação em até 10%.

A gestão da rede pública de ensino do Estado de São Paulo está na contramão da tendência dos parâmetros lançados pelo Conselho Nacional de Educação, ao impor, com a superlotação de salas, um verdadeiro obstáculo para a melhora da qualidade do ensino público. [...] Não é sem razão que o resultado do IDEB da rede pública estadual de ensino para os alunos do 3º ano do ensino médio regrediu em 2013 (nota média 3,7), quando comparado com 2011 (nota média 3,9), frustrando a meta projetada já absolutamente tímida de nota média 3,9 em 10 naquele ano de 2013”, argumentou a Procuradora.

Em sua defesa, a Administração pontuou que, no período entre 2013 e 2018, houve uma sensível diminuição da demanda de alunos, e consequentemente uma diminuição na quantidade de salas de aula.

Para a titular da 2ª Procuradoria de Contas, “a ilusória ideia de que haveria compensação entre essas duas variáveis (nº de alunos x nº de classes) simplesmente não condiz com a realidade, beirando a má-fé”.

Tratado como um problema crônico no âmbito da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, o alto índice de contratação temporária de pessoal foi igualmente abordado no rol de irregularidades cometidas pela Pasta.

Além dos efeitos negativos acarretados à qualidade do ensino público, o elevado número de professores temporários em 2013, mais de 29% do total de docentes, ultrapassou o limite recomendado pelo Conselho Nacional de Educação.

Ainda que a SEE-SP alegue que a contratação de docentes é indispensável para que seja assegurada a continuidade do ensino público, a representante ministerial defendeu a importância do concurso público, “cujos fundamentos consagrados em nosso pacto de 1988 tiveram como objetivo a valorização do trabalho humano, afastando a temerária ideia de se reduzir a força de trabalho a meros instrumentos ou meios de atingir o interesse público”.

Não bastasse a baixa remuneração dos professores da rede estadual de ensino paulista, Dra. Élida alertou sobre o descompasso salarial entre professores ocupantes de cargo efetivo e professores temporários, colocando “ainda mais em evidência a política de desvalorização do capital humano perpetuada pela SEE-SP”.

O alto manejo de contratos temporários, do ponto de vista orçamentário, é medida que tem como fim a contenção de gastos à custa da excessiva precarização do trabalho docente, além de afrontar o princípio da isonomia, posto não haver equiparação salarial entre docentes efetivos e temporários”, concluiu.

Ao discorrer sobre o tema infraestrutura precária e sem manutenção nos prédios e unidades escolares, a Procuradora do MPC-SP trouxe à tona algumas ocorrências constantes das contas anuais de 2014 do Governo do Estado, mas que certamente remeteram ao exercício de 2013, quais sejam: maioria das escolas sem laboratório de ciências, independente da etapa de ensino; quase 34% sem refeitório com área delimitada; cerca de 90% das escolas que dispõem do Ensino Médio não possuíam cozinha com padrão adequado; maioria das escolas pesquisadas do Ciclo I sem a quantidade recomendada do acervo de literatura infantil, bem como a de literatura brasileira e estrangeira nas escolas de Ciclo II e Ensino Médio; mais de 40% sem computadores para sala de informática na quantidade recomendada.

Além disso, citou-se o desmazelo dos estabelecimentos de ensino verificado in loco pela Fiscalização do TCE-SP como rachaduras em paredes, terreno sem manutenção, fiação elétrica exposta, vidraças quebradas, prateleira enferrujada, lousa pichada, quadra poliesportiva com estrutura enferrujada, mictório exposto no pátio, mobiliário quebrado dentro da sala de aula, parede perfurada no banheiro...

A Pasta, em síntese, justificou que o cenário de precariedade decorreu de uma intensa demanda trazida por milhares de escolas, muitas vezes sediadas em prédios muito antigos, e que para completar, desde 2014, a SEE-SP havia perdido 72% de sua capacidade de realizar manutenção predial, em função da menor dotação orçamentária, impactando diretamente no número de reformas realizadas nas unidades estaduais.

Para a Procuradora, o fato de a rede de escolas ser vasta não poderia justificar a “ausência de condições mínimas de habitabilidade de prédios escolares, a comprometer o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos”.

De mais a mais, o MPC-SP chamou a atenção para o mencionado corte no orçamento para reformas das escolas, o qual poderia gerar risco de responsabilidade civil equivalente ao incêndio do Museu Nacional, conforme artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal. “As sucessivas diminuições dos recursos destinados à manutenção e melhorias das escolas representam verdadeiro atentado ao princípio da proibição do retrocesso social”, ressaltou o parecer ministerial.

Sobre a gestão da alimentação escolar, a Procuradora elencou diversas irregularidades apontadas no relatório da Fiscalização sobre a questão: produtos com validade vencida;   problemas sanitários nas cozinhas das escolas; ralos abertos; panelas guardadas no chão; funcionários sem touca para prender os cabelos e sem luvas nas mãos; botijão na área interna; equipamentos enferrujados; falta de acompanhamento pela SEE da merenda servida nas escolas estaduais etc.

Tais ocorrências são inadmissíveis, já que a alimentação está intrinsecamente ligada à saúde e ao bem-estar dos estudantes, sendo ponto altamente delicado e que deveria merecer do gestor o máximo zelo e cuidado na sua fiscalização”, advertiu.

Ao apresentar suas justificativas nos autos, em suma, a Secretaria argumentou que possuía um quadro enxuto de nutricionistas para atender mais de 3.140 unidades, mas que um novo modelo de contrato de prestação de serviços de preparo e distribuição de alimentação balanceada e em condições higiênicas sanitárias adequadas estaria em andamento.

Ainda sobre o tema, como uma possível referência para o Estado de São Paulo, Dra. Graziane citou um projeto desenvolvido no Estado do Tocantins, no qual o aluno avalia a qualidade da merenda escolar por meio de aplicativo de celular. “É imprescindível que a SEE-SP se utilize dos novos instrumentos de tecnologia da informação para aperfeiçoar a gestão da alimentação escolar, notadamente estreitando a relação com o estudante destinatário da merenda, a exemplo do que ocorre no Estado do Tocantins”.

No que se refere à falta de acessibilidade nas escolas públicas, a 2ª Procuradoria do MP de Contas mencionou o Censo Escolar/INEP/2014, que revelou que 72% das escolas estaduais não possuíam estrutura adequada para atender alunos portadores de deficiências, afrontando o artigo 208, inciso III da CR/1988, os artigos 58 e seguintes da LDB, a Lei Federal nº 10.098/2010 e os artigos 27 e 28 da Lei Federal nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e Lei Estadual nº 11.263/2002.

A Administração alegou que o reduzido orçamento para reformas e manutenções prediais teria também impactado no cumprimento do cronograma de longo prazo para implementar a estrutura necessária nos prédios escolares para o atendimento das pessoas com necessidades especiais, mas que, todavia as obras de acessibilidade estariam sendo viabilizadas.

Tais razões, [...] não são suficientes para afastar a responsabilidade dos gestores pela falta de fornecimento de estrutura acessível, de acordo com as normas NBR 9050/04. [...] a demora no cumprimento das obrigações configura hipótese de dano moral coletivo, em virtude da oferta precária de serviço público de natureza essencial”, rechaçou Dra. Élida.

Já a questão da alta porcentagem de evasão escolar e analfabetismo foi abordada pela Procuradora de Contas com base no Censo Escolar do Estado de São Paulo - Informe 2014 que mostrou que a taxa de frequência bruta a estabelecimentos de ensino da população entre 15 e 17 anos é de 86%, ou seja, 14% dos adolescentes nessa faixa etária estavam fora da escola, o que correspondia a 286.440 jovens naquela época.

Igualmente aludiu a uma pesquisa elaborada pela Fundação SEADE, que revelou que a taxa de abandono no ensino público estadual atingiu 16,70% em 2013, regrediu para 10,8% em 2015, e tornou a crescer em 2016, atingindo 12,20%.

Para o Órgão Ministerial, a Secretaria justificou a tamanha gravidade por meio de razões genéricas como “não gostar da escola", "uso abusivo de drogas", "falta de interesse ou de bagagem", as quais não fornecem subsídios suficientes para a formulação de políticas públicas que contribuam efetivamente para o enfrentamento do problema.

É imperioso ressaltar a inafastável perspectiva sociológica que deve conduzir a análise da SEE-SP, com destaque para uma reflexão mais profunda acerca das causas da evasão escolar. Só assim serão formulados programas eficientes para o combate à evasão escolar, com reflexo direto na diminuição da violência entre jovens”, ponderou a representante ministerial.a

Conclusão Por fim, faz-se necessário destacar que a Procuradora do MPC-SP reiteradamente enfatizou em suas manifestações que os recursos bilionários desviados para a cobertura de déficit previdenciário certamente contribuiriam muito para que grande parte das falhas apontadas nas contas anuais da Pasta fossem evitadas.

Uma vez mais, cabe questionar a prioridade alocativa dos escassos recursos educacionais, haja vista a cobertura de déficit financeiro da SPPREV, em detrimento das responsabilidades estaduais para com a educação. Dolorosamente, lembramo-nos que os recursos desviados para a SPPREV muito ajudariam a SEE-SP a promover políticas públicas destinadas à diminuição do analfabetismo e da evasão escolar no Estado. São mais de R$ 3 bilhões que aqui fazem muita falta”, concluiu.

Diante de todo o exposto, em sua manifestação de mérito sobre as contas anuais consolidadas da Secretaria de Estado da Educação, referentes ao exercício de 2013, Dra. Élida Graziane opina pelo juízo de irregularidade com recomendações e aplicação de multa aos responsáveis.

 Acesse as manifestações ministeriais: 18.04.17 ; 23.03.18 ; 28.11.18 ; 15.02.23